Museu revitaliza e incorpora hospício em que Bispo do Rosário viveu
O pavilhão, que foi morada do artista plástico, será aberto como espaço de exposição
O Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea vai incorporar ao seu espaço de exposição, no Rio de Janeiro, um dos Pavilhões da antiga Colônia Juliano Moreira. O hospital foi o local de moradia por muitos anos de Arthur Bispo do Rosário, um dos expoentes da arte contemporânea brasileira. A edificação, que será restaurada com patrocínio da Fundação Marcos Amaro (FMA), abriga a cela ocupada por Bispo, que a encarava como uma espécie de ateliê. Depois de restaurada, a cela funcionará como espaço expositivo permanente para as obras do artista sergipano.
“As paredes da cela onde viveu Bispo do Rosário estão completamente tomadas por desenhos que foram cobertos por camadas de tinta ao longo dos anos. Vamos retirá-las pouco a pouco, em um processo de restauração da camada original de tinta, na tentativa de revelar todo o universo criativo do Bispo impresso naquelas paredes”, afirma Ricardo Resende, curador do Museu e também da FMA.
Diagnosticado como esquizofrênico paranoico, Bispo viveu por quase 50 anos entre entradas e saídas, como interno de hospícios do Rio de Janeiro. Aproveitou-se dos materiais precários que o cercavam para recriar o mundo, e registrou em mantos e estandartes tudo que sua memória foi capaz de recordar e guardar. Apesar de ter sua genialidade reconhecida tardiamente, é hoje considerado um dos expoentes da arte contemporânea brasileira, compondo a tríade dos mais importantes nomes do período ao lado Lygia Clark e Hélio Oiticica.
Para além do cômodo onde dormia Bispo do Rosário, todo o Pavilhão será restaurado (recuperação do telhado, do piso, aberturas e instalações hidráulicas e elétricas) para abrigar a sede do Museu, que atualmente funciona em um prédio administrativo do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, complexo de saúde mental instalado na Colônia. Os ambientes passarão por reformas e readequações, buscando sempre com as condições ideais de preservação de sua arquitetura original e a conservação da obra.
A obra do artista, falecido em julho de 1989, vem sendo, desde final de 2016, revisitada, restaurada, higienizada e catalogada. Em setembro deste ano, o acervo de Arthur Bispo do Rosário foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em decisão unânime de seu conselho consultivo.
Atualmente, a coleção passa por um processo de desinfestação atóxica em atmosfera de anóxia, realizado pela Stephan Schafer Conservação e Restauração. O trabalho volta-se a obras de grande escala em ambientes criados dentro dos museus, bibliotecas, arquivos e acervos.
“Esse procedimento é o maior já realizado em obras de arte contemporânea no Brasil. O método consiste na retirada do oxigênio de estrutura construída justamente para este fim, uma bolha hermeticamente fechada, onde foi acomodada em sua primeira etapa a metade da obra de Bispo do Rosário. De lá, através de um mecanismo, foi retirado de seu interior todo o oxigênio deixando apenas o hidrogênio. Esse processo garante uma eficaz eliminação de cupins, fungos ou qualquer outro microrganismo por asfixia. Trata-se de uma tecnologia que não afeta a obra, que é extremamente frágil, e requer o máximo de cuidado”, comenta Ricardo Resende.
Ao longo de 50 anos, Bispo produziu mais de 900 objetos em um procedimento contínuo de criação. Nesse processo, aproveitou-se de tudo que tinha às mãos para a produção de bordados, objetos e esculturas. Em um trabalho meticuloso, desmanchava os uniformes dos internos, retirando deles as linhas que serviriam como matéria-prima para a trama de suas peças. Talheres, tênis e garrafas – tudo era reaproveitado pelo artista.
Via A4&Holofote